Da Carta Capital: Maranhão permanece em chamas após ataques do crime organizado

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Entre novembro e dezembro de 2013, uma série de confrontos entre as facções Primeiro Comando do Maranhão e Bonde dos 40 no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, a 30 quilômetros de São Luís, resultou em 22 mortes.

As imagens gravadas por presos enquanto celebravam a decapitação de rivais chocaram o País e levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a exigir ações contra as violações no presídio, entre elas a adoção de medidas para impedir novos homicídios e a redução imediata da superlotação. 

Atônita com a divulgação das imagens e a revelação da morte de mais de 60 detidos de Pedrinhas naquele ano, a então governadora Roseana Sarney conjecturou sobre a onda de violência: “Um dos problemas que estão piorando a segurança é o estado estar mais rico”.

Após mais de dois anos, a ação do crime organizado em Pedrinhas volta a se manifestar publicamente, desta vez não por vídeos macabros, mas por ataques pirotécnicos ao transporte público da capital.

Até o momento, 16 ônibus foram alvo de tentativas de incêndio em diferentes locais da região metropolitana de São Luís. Cinco tiveram perda total. Coordenados pelo Bonde dos 40, os ataques são o primeiro grande teste para a segurança pública do governador Flávio Dino, do PCdoB.

Ao menos no discurso, a premissa é oposta àquela da antecessora: “A negação total de direito e de oportunidades gera uma massa, quase um exército industrial de reserva, para essas quadrilhas”, afirmou Dino em uma reunião para avaliar as ações de combate aos incêndios na terça-feira 24.  

Apesar do discurso socialmente sensível, o governo respondeu duramente aos ataques: 131 integrantes da Força Nacional de Segurança Pública chegaram a São Luís na terça-feira 24 para auxiliar as autoridades locais.

Na mesma data, foi definida a presença de três policiais militares em cada ônibus que circula na zona rural de São Luís, além de um reforço policial nas principais vias da capital. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, foram presos mais de 30 integrantes da facção e não houve registro de novos ataques a partir da chegada da Força Nacional.

Ao apontar os motivos para a onda de ataques, o governo interpreta os incêndios como uma consequência de ações bem-sucedidas para conter o crime organizado em Pedrinhas. Por outro lado, entidades de direitos humanos apontam para a continuidade das condições precárias no presídio, marcado pela superlotação, insalubridade e baixa qualidade da alimentação. 

Segundo Jefferson Portela, secretário de Segurança Pública, o maior controle sobre os presos resultou na resposta violenta da facção nas ruas. “Eles queriam o retorno a regras da gestão anterior, quando os presos tinham liberdade para ficar soltos no pátio”, argumenta. “O novo governo impôs o uso obrigatório de uniformes e refez o gradeamento de todas as celas.”

Além do endurecimento das ações em Pedrinhas, Portela afirma que o aumento das operações contra o narcotráfico foi determinante. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, foram apreendidos quase 1 tonelada de maconha e derivados de cocaína no Maranhão em 2015, ante pouco mais de 300 quilogramas em 2014.  

Para combater o alto número de confrontos em Pedrinhas, o governo Dino deu continuidade à manutenção de presos de facções rivais em setores distintos, estratégia utilizada a partir do último ano da gestão de Roseana. A primeira ala é destinada ao PCM, a segunda ao Bonde dos 40 e a terceira aos presos considerados neutros.

Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária, 97 presos fugiram e 17 foram assassinados em 2014. No ano passado, houve uma melhora significativa: foram registradas 27 fugas e quatro mortes. Em 2016, ainda não houve registro de homicídios.

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, responsável por monitorar as condições de Pedrinhas em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil e as entidades Justiça Global e Conectas, reconhece a diminuição nos extermínios, mas aponta para as más condições em Pedrinhas como motivo principal para os ataques.

Segundo lideranças da entidade, familiares de presos têm relatado situações de restrições de direitos e até mesmo casos de maus-tratos e tortura.

A morte recente de um auxiliar penitenciário, dizem os integrantes da sociedade, foi seguida de uma estratégia para ampliar a repressão e a restrição dos presos a benefícios, entre eles a entrega de alimentos por familiares. 

A baixa qualidade das refeições oferecidas em Pedrinhas é uma das principais críticas dos detidos.

A separação das facções era prevista como uma solução transitória até a construção de novas unidades prisionais. “Os novos presídios estão sendo entregues tão lentamente que o crescimento exponencial da massa carcerária os torna obsoletos ainda na inauguração”, analisa a entidade em nota a Carta Capital.

Na direção contrária à da recomendação internacional, a população carcerária de Pedrinhas saltou de 2,1 mil no início de 2014 para mais de 3 mil no fim do ano passado.

A separação das facções acaba ainda por concentrar presos provisórios e sentenciados em uma mesma ala, o que contraria a Lei de Execução Penal. “A estratégia comprometeu a progressão de regime e facilitou o recrutamento”, acrescenta a sociedade.

Portela admite que as condições do presídio ainda deixam a desejar. “A realidade prisional do Maranhão é aquela que foi herdada da administração anterior. Estamos inaugurando novas unidades, mas convivemos com a superlotação, um problema nacional.” Apesar dos ataques, o secretário defende a estratégia de isolamento das facções rivais.

Para os militantes de direitos humanos, novas disputas entre o crime organizado e o poder público devem ocorrer. “As facções parecem estar mais fortes do que antes. Elas estavam apenas em silêncio, desfrutando uma trégua momentânea.” Resta saber se a crise de segurança enfrentada por Dino está próxima do fim ou apenas em seu início.

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