O secretário nacional de Juventude, Assis Filho, entregou, nesta segunda-feira (18/09), uma carta pública contra a redução da maioridade penal ao presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ), senador Edson Lobão (PMDB-MA). A análise da proposta que permite que adolescentes entre 16 e 18 sejam julgados como adultos quando cometerem crimes graves (PEC 21/2013) está na pauta da CCJ para ser votada nesta quarta-feira (20/09).
A Secretaria Nacional de Juventude entende que o remédio para combater a violência é possibilitar o acesso dos jovens às políticas públicas e cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Não é mudar a legislação”, afirma Assis Filho. A Secretaria Nacional de Juventude vai entregar uma carta a todos os senadores da CCJ expondo os motivos pelos quais a redução da maioridade penal não combate a violência. Assis Filho também busca uma agenda com o relator da proposta na CCJ, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), para tentar sensibilizá-lo.
A proposta original, do senador licenciado Aloysio Nunes Ferreira, estabelecia a redução para os crimes hediondos, tortura, terrorismo, tráfico de drogas e casos repetidos de roubo qualificado e agressão física. Ferraço excluiu o tráfico de drogas e detalhou 15 casos em que o menor pode ser punido, como genocídio, homicídio doloso, latrocínio e estupro.
Acompanharam o Secretário Nacional de Juventude: o Assessor Parlamentar da SNJ, Samuel de Oliveira, o Coordenador Geral de Políticas Transversais, Vitor Otoni, o Presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), Anderson Pavin e o Vice-presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), representando a sociedade civil, Marcus Barão.
CARTA PÚBLICA CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Diante da possibilidade de votação, a qualquer momento, da admissibilidade da PEC 74/2011, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, a Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República (SNJ) reforça seu posicionamento contra a redução.
Quando o adolescente vê-se em conflito com a Lei, a mídia reacende o tema sobre a redução da maioridade penal em âmbito nacional e explora o tema com sensacionalismo exacerbado, criando na população a ideia equivocada de que os adolescentes são os maiores responsáveis pelos elevados índices de violência contra a pessoa.
É fato, toda vez que a mídia noticia algum ato infracional envolvendo a participação de adolescentes como autores, partícipes e até mesmo vítimas, várias vozes ecoam no Congresso Nacional em defesa da redução da maioridade penal. Entretanto, toda vez que esta discussão foi suscitada, houve forte reação da comunidade jurídica, da sociedade civil organizada e dos órgãos de promoção dos direitos da criança e do adolescente em defesa da imutabilidade, conforme previsto no artigo 228 da Constituição, principalmente, por se tratar de cláusula pétrea e, portanto, impassível de alteração.
Defendemos que a educação de qualidade é uma ferramenta eficiente para combater o problema da criminalidade entre jovens. Educar funciona melhor do que punir. O Governo atua de forma incansável na elaboração de políticas públicas de inclusão social de jovens. Entendemos que a adolescência é uma fase de transição e maturação do indivíduo e que, por isso, indivíduos nessa fase da vida devem ser protegidos por meio de políticas de promoção de saúde, educação e lazer, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e no Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852/2013).
Entendemos que a redução da violência não será alcançada com a diminuição da maioridade penal, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Políticas públicas voltadas à reinserção dos jovens na educação e acolhimento no mercado de trabalho de modo a retirá-los da ociosidade, pobreza e ignorância, são o caminho para a redução da criminalidade nessa faixa etária.
A redução da maioridade penal afetaria, principalmente, jovens em condições sociais vulneráveis. A tendência é que jovens negros, pobres e moradores das periferias das grandes cidades brasileiras sejam afetados pela redução. Esse já é o perfil predominante dos presos no Brasil que já somam quase 700 mil, levando o país a quarta maior população carcerária do planeta.
Atualmente, o sistema prisional brasileiro não contribui para a reinserção dos jovens na sociedade. O índice de reincidência nas prisões é excessivamente alto, na casa de 70%, enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%. Além disso, não há estrutura para recuperar os presidiários. Prender menores de 18 anos não reduzirá os índices de criminalidade juvenil e, ainda, agravaria a crise do sistema prisional.
Diante de tais fatores, a SNJ se posiciona CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIADE PENAL, pelas razões que ainda seguem:
- Antes de tudo é importante destacar que a Constituição Cidadã de 1988 protege os menores de 18 anos da prisão. O artigo 228 estabelece que são inimputáveis os menores de 18 anos, para tanto, a menoridade penal no Brasil integra o rol dos direitos fundamentais, por ter força de cláusula pétrea, dessa forma, não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais. É o que reza o 60 da Carta Magma;
- O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) prevê medidas socioeducativas para punição de infrações legais cometidas por menores de 18 anos e maiores de 12 anos com objetivo de salvaguardar o adolescente em seu período de formação pessoal e de maior vulnerabilidade social, não havendo, portanto, que se falar em impunidade a crimes cometidos por esses sujeitos. A medida socioeducativa de internação prevista no art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente aplicada ao adolescente é mais rigorosa que a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) que prevê a progressão de regime após o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena aplicada ao adulto;
- Crianças e adolescentes estão em um patamar de desenvolvimento psicológico diferente dos adultos. Mais de 20 entidades de psicologia, entre elas o Conselho Federal, posicionaram-se contra a redução, por entender que a adolescência é uma fase de transição e maturação do indivíduo e que, por isso, indivíduos nessa fase da vida devem ser protegidos por meio de políticas de promoção de saúde, educação e lazer.
- Dados oficiais encomendados pelas Nações Unidas mostram que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida. Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de violência. Estatísticas mostram que a população adolescente e jovem, especialmente a negra e pobre, está sendo assassinada de forma sistemática no país. Essa situação coloca o Brasil em segundo lugar no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás somente da Nigéria.
- Ainda segundo a ONU, os homicídios já são a causa de 36,5% das mortes de adolescentes por causas não naturais, enquanto, para a população em geral, esse tipo de morte representa 4,8% do total. Somente entre 2006 e 2012, pelo menos 33 mil adolescentes entre 12 e 18 anos foram assassinados no Brasil. Na grande maioria dos casos, as vítimas são adolescentes que vivem em condições de pobreza na periferia das grandes cidades.
- É essencial garantir o tempo social de infância e juventude, com escola de qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e vivência da cidadania, que permitirão a construção dos papéis sociais para a constituição da própria sociedade;
- Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a juventude. O sistema penitenciário brasileiro sofre forte influência do crime organizado, sendo certo que crianças e adolescentes, por serem seres humanos em formação, necessitam de educação e, principalmente, de exemplos de dignidade, valores éticos e morais de seus responsáveis (família, sociedade e Estado), sendo óbvio que a mistura pura e simples de adolescentes a criminosos profissionais não cumprirá as funções essenciais do Direito Penal;
- O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) afirma que a redução da maioridade representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela;
- A fixação da maioridade penal a partir de 18 anos é uma tendência mundial. De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro. Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos;
- O Conselho Nacional de Justiça, em estudo, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil. Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos.
Considerando que a proposição não está em consonância com os princípios constitucionais da proteção integral e prioridade absoluta nas políticas voltadas para a infância, adolescência e juventude, além de violarem diversos diplomas legais e tratados internacionais que o Estado brasileiro é signatário, a Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República é veementemente contra a PEC 74/2011, pois ela representa um retrocesso na busca do cumprimento das politicas de inserção do jovem adolescente quanto sujeitos de direitos. Nenhum direito a menos para os adolescentes! Nenhum direito a menos para juventude! Contra a PEC 74/2001 e por mais direitos à juventude brasileira.
Brasília (DF), 18 de setembro de 2017.
FRANCISCO DE ASSIS COSTA FILHO
SECRETÁRIO NACIONAL DE JUVENTUDE