Coluna do Sarney: 50 anos da Escola de Engenharia

Hoje temos a impressão de que existe uma compressão do tempo — tantas são as coisas que acontecem ao mesmo tempo e em todo lugar que quase não sentimos que ele passa.

O passado e o presente já são superados pelo futuro, como falava o grande poeta inglês T.S. Elliot tratando do tema. Mas as datas redondas sempre nos levam a referências de um tempo que não volta mais e não se pode reconstituir.

Quando fui governador, em 1966, o Maranhão ressentia-se da ausência de escolas superiores, uma vez que federais só existiam a Faculdade de Direito, onde estudei — e o nome do meu pai está na Ata de sua fundação, testemunhando aquele momento histórico — e a Faculdade de Farmácia e Odontologia, onde era catedrático o meu sogro, o grande médico maranhense Carlos Macieira.

Meu governo trouxe o Instituto do Serviço Público da Bahia e a Universidade de Miami, numa parceria utilíssima para fazermos uma reforma administrativa, sob o comando do Prof. José Maria Cabral Marques. Concluímos pela necessidade de formar recursos humanos em cursos superiores, uma vez que os jovens maranhenses que queriam prosseguir na sua carreira profissional tinham que fazê-lo emigrando para Rio, Bahia, Recife e outros centros.

Daí surgiu a ideia de incluir no meu programa de governo a síntese do que seria — e realizaríamos — o setor da educação: “uma escola por dia, um ginásio por mês e uma faculdade por ano”.

O Maranhão tinha somente um ginásio público, o Liceu Maranhense, onde estudei, em São Luís, e dois ginásios particulares, em Caxias e Carolina.

A deficiência de escolas na área rural e o número de analfabetos eram altíssimos.Criamos o Projeto João de Barro, cujo nome era inspirado no pássaro que constrói de barro seu próprio ninho, e os Ginásios Bandeirantes.

Conseguimos construir, numa parceria com as prefeituras e a comunidade, cerca de mil escolas e 54 ginásios no interior, onde não existia nem um. E assim, concluindo o ciclo do projeto, criamos a Escola de Engenharia, a Faculdade de Agricultura, a de Administração, a de Comunicação e a de Educação, em Caxias, abrindo assim também a interiorização do ensino superior.

Agora, neste ano, a Escola de Engenharia completa 50 anos

O seu maior entusiasta era Haroldo Tavares, grande homem público, grande talento, cuja ausência continua a fazer muita falta ao Maranhão.

Essa escola pioneira firmou-se e formou centenas de engenheiros, muitos deles profissionais de grande qualidade, professores, administradores, empresários da construção, que até hoje brilham não só no Maranhão, mas em todo o Brasil.

Tenho um grande orgulho de ter plantado a semente que germinou numa mudança extraordinária na mentalidade de nossa terra. Mas hoje vejo aqueles que nunca colocaram um prego numa barra de sabão em nosso Estado censurando, criticando e falando de coisas que não conhecem e de não sabem. O fazem não com soluções, mas com o barro do ódio, da inveja e do ressentimento.

Pensei sempre com grandeza no Maranhão do passado, com sua tradição cultural; no Maranhão do presente, que encontrei ainda no século XIX e hoje é o 17º Estado do Brasil, à frente de Estados como o Mato Grosso do Sul, já pertencente à economia ligada ao Centro-Oeste e ao Sudeste.

É com tristeza que vejo a notícia de que empastelaram a Rádio Capital, numa reminiscência da violência dos tempos antigos, que ressurge sem que se esclareça o fato, se apure e se puna os responsáveis por essa ignomínia contra a liberdade de pensamento, direito pelo qual tanto lutamos.

Termino congratulando-me com todos que, ao longo desses 50 anos, construíram a Escola de Engenharia, o seu corpo docente de todos os tempos, de ontem e de hoje, e os engenheiros ali formados, que engrandecem nosso Estado e nosso País.

Salve os 50 anos de nossa Escola de Engenharia, hoje pertencente à UEMA, que também honra o ensino do Maranhão.

Dizem os chineses que, quando vamos beber água num poço, devemos sempre nos lembrar de quem o abriu.

 

José Sarney

Coluna do Sarney: Valei-nos, Nossa Senhora

Numa tradição que vem de nossa colonização, o Brasil é um país profundamente religioso. Digo país pois, embora este seja laico, a fé domina nossa vida civil com suas festas e manifestações. A discriminação religiosa é proibida, mas ela só existe entre nós como uma anomalia, a regra é a de coexistência e convivência — e, ainda, de sincretismo. Não só na Bahia o candomblé — aqui no Maranhão “Mina” — e as religiões de origem africana dominam as festas de largo, em geral em comunhão com as celebrações católicas.

O País, esta semana, celebrou Nossa Senhora Aparecida. É nossa padroeira e nossa protetora. Há 400 anos ela foi encontrada, por pescadores que queriam agradar ao Conde de Assumar durante sua passagem por Guaratinguetá: pediam a intercessão de Nossa Mãe para que trouxesse os peixes raros, e eles surgiram, mas depois das redes encontrarem o corpo e a cabeça da imagem sagrada.

A devoção estabeleceu-se e foi — e é — forte. Com o tempo a Capela da Santa foi substituída pela Igreja da Aparecida, que foi rodeada de uma cidade, virou Basílica e coexiste com a grande Basílica de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, onde a Virgem Maria é reverenciada em sua pequena imagem por todos nós.

Muita gente ali vai em peregrinação. Os milagres são coisa de todo dia. A fé é palpável, quase podemos tocar, certamente podemos ver nos olhares e nos gestos. Quando a religião católica ainda não era separada do Estado, a Princesa Isabel, que não tinha filhos, e queria tê-los, fez a romaria e uma promessa, que voltou, 20 anos depois, para cumprir: dar-lhe uma coroa de ouro, com que foi coroada, por ordem do Papa Pio X.

Os papas lhe foram fiéis.

Pio XI a proclamou Padroeira e Rainha do Brasil. Paulo VI, Bento XVI e Francisco lhe ofertaram suas três Rosas de Ouro — como têm Nossa Senhora de Fátima, de Guadalupe, de Loreto. João Paulo II consagrou sua Basílica Maior.

Mas temos festa ligadas a muitas outras imagens, como a de Nossa Senhora de Nazaré, também achada, em 1700, num rio, o Igarapé Murututu, perto de Belém do Pará. Como em Portugal, na Vila de Nazaré, sua festa é no dia 8 de setembro. O Círio de Nazaré, em que a imagem é levada de sua Basílica para a Catedral, é uma festa gigantesca — dizem que a maior do Brasil —, com o ritual da corda e a tradição das representações em miriti, nosso buriti.

No Paraná a imagem encontrada foi a de Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Rocio, também imagem antiga, bicentenária, de grande devoção popular.

Nós também temos nossa festa ligada a uma imagem achada na água, no nosso caso no mar. Só que, em vez de ser da Mãe de Jesus, foi a de São José, que, em Ribamar, como nosso padroeiro, nos acolhe a todos com atenção paterna. Ali também fizemos uma grande igreja — que completou este ano 100 anos de sua inauguração. Construímos uma devoção forte e a tradição de celebrá-lo no começo de setembro.

Vivemos dias de crueldade e egoísmo. Tanta coisa ruim acontecendo. O melhor para enfrentar isso é a fé. Valei-nos, Nossa Senhora da Conceição Aparecida!

José Sarney

Coluna do Sarney: O diabo voltou

O padre Vieira afirmava que o Diabo era o dono do mundo. Para isso invocava as palavras do próprio Cristo, quando foi tentado por ele no deserto da Judeia, depois de batizado por João Batista e ter jejuado durante 40 dias. O “maligno” como se dizia nos tempos antigos, para nem pronunciar o seu nome, teve a ousadia de leva-lo às alturas e de lá mostrar-lhe todos os reinos do mundo e dizer-lhe: “Tudo isso será teu, se me adorares.” Diz Vieira que, se o Diabo lhe disse isso, é porque o mundo é dele, senão não o ofereceria ao Senhor.

Com o desenvolvimento da humanidade, da ciência e do pensamento, o homem não conseguiu matar a Deus, mas o Diabo foi morto e desapareceu. Na minha infância eu ainda tinha medo do Diabo. Mas ele desaparecera.

Não é que agora, depois de ver as atrocidades inimagináveis que estão acontecendo, não encontro justificativa para nada e sou levado a temer o Diabo da minha infância e a constatar que ele voltou.

Ele está agora entrando na cabeça do homem. Não mais o homem primitivo, o cro-magnon, que matava sem saber a quem matava, dizimava seus irmãos e mulheres dominado pela violência do instinto da sobrevivência; mas o homem moderno, este que foi à Lua, desvenda os ínfimos mistérios de divisão dos genomas, quem mostra uma cabeça tão primitiva quando a dos neandertais, quem pensa e programa a morte de crianças, tocando fogo nelas, numa creche de Janaúba e em si mesmo.

Nada mais puro e humano do que uma creche – nome de origem francesa que significa o presépio do Menino Jesus -, que recebe crianças enquanto as mães trabalham e afastam-se por algumas horas do dia do seu amor em busca de sustento, e onde aprendem, brincando, a se relacionar umas com as outras, na beleza da inocência. De repente são atingidas por inflamáveis de um louco ou alucinado que as incendeia. Quase vou às lágrimas quando ouvi de uma sobrevivente de quatro anos, quando perguntada por seu nome, a resposta apavorada: Fogo!

Não culpemos nosso país, como hoje está em moda fazer, como se só aqui acontecessem coisas impossíveis. Vejamos um país rico, líder mundial, esbanjando consumo. Jovens, no desfrute da alegria, no gosto da vida, em busca da felicidade estimulada pelos sons das músicas de que gostam, da dança libertando o corpo de suas posturas naturais, em pleno êxtase, numa cidade de luzes e brilhos, cores e maravilhas, são surpreendidas pela morte trazida por outro alucinado, que planeja tudo e, durante dias, leva calmamente malas de armas ao quarto de um hotel, no 32º andar e de lá começa a matá-los, acabando com suas vidas que começam e sepultando todos os seus sonhos.

É impossível aceitar que isso acontece como obra do homem, por maldade, crueldade ou possessão.

Só tenho para impedir minhas lágrimas, uma explicação: é o Diabo, o mesmo Diabo que tentou Cristo e que está aí.

E, para desgraça nossa, o Senhor Trump defende mais armas! Valha-nos Deus.

José Sarney

“Todo mundo agora é quadrilheiro”, diz Sarney em artigo

Da Coluna do Sarney

As palavras estão numa crise pior do que a nossa crise política e econômica: deixaram de significar o que realmente são, no milagre da língua. Levou milênios para que fossem construídas pelos homens na junção dos sons. Além da criação de linguagens alternativas, com abreviação de palavras e construções anômalas, tão comuns na linguagem dos jovens, agora surge uma nova língua, criada pela internet, sob a pressão do instante, que exige rapidez e compactação para ganhar espaço e tempo.

Ouvi outro dia de um professor de português, desses que fazem programa de rádio procurando popularizar o ensino da língua, a seguinte advertência: “Se você quiser errar no português, leia as manchetes dos jornais. São sempre erradas. E não têm ordem direta, nem indireta. Só erros.”

Assim, só para dar um exemplo, quadrilha não é mais dança de São João, tão alegre e solta nos seus sons e rodopios, mas agora é sempre um ataque, um palavrão para atingir adversários.

Lembro-me do poema de Drummond Quadrilha, em que J. Pinto Fernandes entra na história, sem ter nada a ver com ela.

Esta é a lógica das denúncias que agora circulam nos jornais: todo mundo é quadrilheiro. E nisso não respeitam nem presidentes, nem governadores.

É como dizia um poeta maranhense da velha guarda, muito criticado por nós, àquele tempo jovens: “É o jogo da semântica.”

Não resisto a repetir o poema de Drummond:

João amava Teresa que amava Raimundo que amava [Maria que amava Joaquim que amava Lili

/ que não amava ninguém.

/ João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,

/ Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

/ Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

/ que não tinha entrado na história

Agora, com esse mar de delações, chamadas de colaboração – já tive oportunidade de dizer isto nesta coluna: com as palavras em crise, traidor transformou-se em delator; delator, em colaborador; e colaborador será heroidador -, teremos que reestudar a História para recuperar os personagens. Judas Iscariotes, por exemplo, não é mais traidor, nem delator, e sim um colaborador que ajudou a crucificar Jesus Cristo.

Bequimão, o nosso grande herói (e o Maranhão é injustiçado, porque foi dele o primeiro grito de independência do Brasil), teve como delator Lázaro de Melo, que agora passa a colaborador.

Tiradentes (estou me repetindo) nos deixou como herança, para desgraça do Maranhão, os ossos de Joaquim Silvério dos Reis, que estão enterrados na Igreja de São João e que agora passaram a ser de um colaborador.

É como eu disse no princípio: as palavras estão em crise. E o dr. Rodrigo Janot ficará na História por dar essas contribuições ao léxico brasileiro.

É melhor ficar com o Drummond: quadrilha de dança e de amor, frustrado ou realizado.

José Sarney