O cavalo e o cadete – Por Magno Bacelar

O cavalo e o cadete – Por Magno Bacelar

Quem atinge a idade de servir à Pátria após prestar vestibular tem direito de prestar exame para o Centro De Preparação de Oficiais Da Reserva (CPOR), se aprovado, escolher a arma de sua vocação e, ainda, a opção de troca de curso em até uma semana.

Em 1960, fui classificado para Artilharia, mas o hábito de campear o gado nas matas de Coelho Neto me levaram a optar pela arma de Cavalaria. Enquanto “artilheiro” estive em salas limpas, carteiras apropriadas para desenho e cálculo, uniformes impecáveis e coturnos reluzentes. Na última aula foi apresentado o capacete, colocado sobre a mesa, enquanto o capitão instrutor dizia: – Este objeto de formato anatômico, dotado de faixas elásticas para amortecer impactos, é facilmente camuflável e parte integrante do uniforme de combate e armamentos.

No dia seguinte, já na Cavalaria onde, ao chegar, o aluno recebe um cavalo como parte intrínseca do uniforme, das armas e dele próprio. Quando o jovem é muito grosso, o cavalo é quem recebe um aluno. Medrosos retardatários não tinham direito de escolha, simplesmente recebiam a ordem de montar os animais refugados. Aos que alegavam nunca haver montado o instrutor retrucava “não faz mal este cavalo também nunca foi montado”.

Por coincidência, na primeira aula, seria apresentado o mesmo capacete, com diferenças bem sutis. Alunos sentados no chão entre as baias, calçados de botas e esporas, enquanto o capitão com o material pendurado numa das mãos, vociferava “Isto aqui é um capacete, não é penico nem tamborete, é para proteger a cabeça, entendido?” Se por um lado os cavalarianos não se esmeravam em delicadezas, por outro, se destacavam pela coragem, poder decisório, companheirismo e lealdade. A reputação não era das melhores quando se tratava de etiqueta; apelidados de cheirosos nos orgulhávamos dos animais e rebatíamos: – O verdadeiro cavaleiro não teme desafios nem recusa tarefas e, à noite, frequenta palácios e salões com a elegância dos nobres.

Os exercícios eram duros, pesados, às vezes brutais. Quando um aluno caia do cavalo o instrutor perguntava “quem mandou apear?”. Ninguém socorria, o cadete teria que voltar a montar na marra. Certa feita praticávamos equitação na Quinta da Boa Vista quando o cavalo do cadete Saltarelle disparou derrubando-o violentamente, tonto e confuso murmurou “Vejo tudo nublado”, ao que respondeu o instrutor, Capitão Alair, “ E daí? Vai chover, estrume”. Acampávamos em Gericinó (hoje presídio de políticos corruptos) muito distante de São Cristóvão, percurso que fazíamos, parte montados e parte a pé, durante toda uma noite.

Em Gericinó, permanecíamos de dez a quinze dias fazendo exercícios campais, guerras simuladas, travessias de charcos, pântanos etc. Nas “batalhas” eram usadas todas as armas, embora com balas de festim. Definidos os adversários e a área onde se desenrolaria o combate, os comandantes se deslocavam na véspera para preparar barricadas, pontos estratégicos para instalação de metralhadoras, obuses e outras armas pesadas. Os alunos cavavam e preparavam as barricadas nas quais se instalavam de dois a dois.

Numa destas “guerras” eu fiquei numa trincheira com o companheiro Nougi (vibrador exagerado). Começou a batalha, inimigos se aproximando, eu me preparei para atirar quando o meu parceiro se levantou de repente me alertando do perigo, exatamente quando eu apertava o gatilho. Resultado a pólvora seca lhe atingiu a nuca provocando queimaduras e muito sangue. Seguiram-se urros e gritos de socorro. Resultado, paralização total da guerra, todo o CPOR em formatura os instrutores nos fazendo desfilar enquanto diziam ao microfone: “Estes dois acabam de nos demonstrar COMO NÃO FAZER A GUERRA.” Ficamos presos por sete dias.

Foram três anos de árdua aprendizagem. Chegávamos ao quartel às 3 horas da manhã, passávamos por uma revista rigorosa onde eram observados aspectos como farda impecável, barba feita, saíamos às 17horas, depois de submetidos a outra revista ainda mais rigorosa, se a barba (por exemplo) não estivesse escanhoada ficávamos detidos e dormíamos no quartel.

Recebi um cavalo melado, arisco e temido, de nome GREEN (verde), que fez a caveira de muitos alunos que deixava a pé e voltava disparado pelas ruas. Compusemos perfeita dupla e, em sintonia, fizemos juntos exercícios e manobras por longos 36 meses.

Devo muito ao Exército, aos instrutores, aos colegas de farda e até mesmo ao cavalo que me ensinaram a enfrentar problemas sem ver fantasmas onde eles não existem.

*Dr. Magno Bacelar é advogado e exerceu os cargos de deputado estadual, deputado federal, senador da república, vice-prefeito de São Luís e prefeito de Coelho Neto.

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