A cena do helicóptero caindo do céu não sai da cabeça de Leiliane Rafael da Silva, 28. A vendedora de veículos e camelô não conseguiu dormir na noite após o acidente entre uma aeronave e um caminhão, que matou o jornalista Ricardo Boechat, 66, o piloto Ronaldo Quattrucci, 56, e que deixou o caminhoneiro João Adroaldo, 52, com ferimentos leves.
Ela é a mulher do vídeo que viralizou nas redes sociais em que, sozinha, estoura um vidro e abre a porta do caminhão para salvar o motorista, enquanto um grupo majoritariamente masculino filmava o momento. “Estou orgulhosa de mim, mas sinto que poderia ter feito mais alguma coisa”, diz Leiliane, em entrevista à Universa. .
Sentada na calçada de sua casa, no bairro Pirituba, em São Paulo (SP), a jovem mãe de três filhos diz que as imagens do acidente e a de um homem em chamas levantando a mão pedindo socorro ficaram se repetindo em sua mente e a fizeram ter dores de cabeça à noite — o homem, porém, ela diz não saber se era Boechat. “Mas esta noite eu espero dormir melhor, porque estarei perto dos meus meninos”, diz. Na noite do acidente, ela dormiu em um hotel, pago por uma emissora de TV.
Desde que seu vídeo ocupou as redes sociais, o celular de Leiliane não para de tocar. “Tenho muitas solicitações de amizade, mensagens no Instagram. Tem até jogador da Red Bull querendo falar comigo”, fala, não querendo revelar o nome do esportista. No entanto, Leiliane nega o título de heroína. “Pelo amor de Deus. Eu fiz o mínimo, que foi ajudar uma pessoa que estava viva depois de um acidente. É amor ao próximo, mas as pessoas estão mais preocupadas em gravar vídeos para mandar no grupo do Whatsapp“, afirma a jovem.
Uma das pessoas que estava com o celular em punho, gravando os detalhes no momento do acidente, era o marido de Leiliane, o operador de máquinas Marcio Manuel da Silva Santos, 34. “Eu falei que era perigoso, para ela sair dali, mas ela não me escutava”, diz ele. “O Marcio é uma tristeza. Ele estava gravando para mostrar para a minha mãe o que eu estava fazendo”, comenta a vendedora.
Colocando a vida em perigo duas vezes
A preocupação de Marcio não é infundada. Leiliane descobriu, quando deu à luz sua filha mais nova, Livia, de quatro meses, que tem malformação arteriovenosa (MAV). No parto, ela teve uma convulsão. Por causa do problema, ficou um mês internada em dezembro e está na fila do SUS para fazer a cirurgia intracraniana. Toda quinta-feira, religiosamente, ela vai ao hospital para ver se consegue um encaixe para fazer a intervenção. “Já desmarcaram a operação quatro vezes”, explica.
Por causa da malformação, ela não pode ficar muito tempo sozinha, não passar por estresse nem carregar peso. Ou seja, tudo o que ela fez ao resgatar o motorista João. Ela corria o risco de ter um derrame hemorrágico ali em cima da boleia. Assim, colocou a vida em risco duas vezes. “Mas eu não pensava em nada disso. Eu estava ligada no 220”, diz.
A empregada doméstica e ajudante Lucilene Terto da Silva, 53, não pegou leve na hora de dar uma bronca na filha. “Minha mãe ficou brava. Falou que eu tinha três filhos para criar, que eu não poderia ter feito aquilo. Brigou muito comigo”, ri. Lucilene diz, no entanto, que não esperava outra coisa de Leiliane. “Não tem como fazer essa menina parar, não. Sempre que tem motoqueiro machucado ela encosta para ajudar”, narra. Marcio concorda. Ele conta que, quando ela esteve internada, era conhecida pelas enfermeiras como “turista”. “Ela não parava quieta no quarto. Estava sempre ajudando outros doentes, dando banho, trocando fralda dos idosos”.
Ainda assim, a família toda está cheia de si pelo feito de Leiliane. “Porém, quando cheguei em casa, ela estava toda contente por eu ter salvado o homem”. A filha mais velha da vendedora, Maria Heloísa, de 8 anos, não esconde o orgulho da mãe. “A roupa dela estava cheia de caco de vidro”, lembra, sorrindo.A vizinhança também está acompanhando de perto a repercussão da história de Leiliane. “Você viu ela dando entrevista na Record? Acabou de passar”, pergunta um vizinho passante para Lucilene. A monitora de transporte escolar Gisele Costa, 37, ajuda a vendedora quando ela precisa que alguém cuide de seus filhos. Segundo ela, Leiliane, que já trabalhou como ajudante de pedreiro do pai, também é mão na massa. “Tive um problema no meu salário-maternidade e, mesmo com bebê, ela foi comigo pegar fila no INSS”, relembra.
Dores no corpo
Dá para ver que Leiliane ainda está tomada por parte da mesma adrenalina do momento do acidente. Ela diz, porém, que quando deixou a delegacia de Perus, onde prestou depoimento sobre o que testemunhou, se rendeu ao choro. “Mas eu não sabia se estava chorando por tudo o que tinha acontecido ou pela dor no braço, que eu achava que ia acabar causando uma nova convulsão”, fala.
Além do trauma, Leiliane terminou a terça-feira (11) com o corpo dolorido pelo esforço e arranhões ao longo dos braços. Ela, no entanto, sabe que poderia ter sido muito pior: de acordo com ela e com Marcio, se o helicóptero não tivesse batido na carreta, a aeronave teria acertado a moto do casal em cheio. “As pessoas falam que sou o anjo da guarda do João, que eu o salvei, mas foi ele quem salvou a minha vida. Ele apareceu do nada e evitou que eu e meu marido também morrêssemos”.
Da Universa