A minha vida é marcada pelo destino, sempre me causando surpresas. Jamais pensei ser presidente da República. No meu jeito e no meu temperamento, jamais deixei de ser feliz com a graça de viver, um simples menino de Pinheiro, um maranhense apaixonado por sua terra, ligando a palavra felicidade à minha infância nos campos de São Bento, onde fui criança e pássaro. Por teias da vida, eis que surge o 14 de março de 1985 quando todos nós brasileiros fomos atingidos pela tragédia de Tancredo Neves. Eis que cai nas minhas mãos um universo de dificuldades para fazermos a travessia para a democracia. Foram anos difíceis, mas até hoje tenho a certeza de que a sociedade brasileira mudou. Coloquei o social na agenda das prioridades nacionais e hoje temos o período mais longo da história brasileira sem crises institucionais. Como dizia Rui Barbosa, não plantamos couve, plantamos carvalho.
Moacyr Neves, meu velho amigo e uma dessas figuras inesquecíveis das cidades, e a sua era São Luís, gostava de brincar com o mistério, lendo mãos e fazendo profecias. Num desses momentos em que achava brincadeira, disse que eu ia ser presidente duas vezes. Eu nunca levei a sério. Algumas vezes, depois que deixei a presidência da República, fui procurado por líderes e partidos para aceitar candidatar-me. Jamais aceitei nem conversa. Voltei ao Senado, depois de deixar a Presidência, por apelos julgando que era necessária a minha presença naquela Casa, onde sempre tive a posição de conciliador e de harmonizar crises. Vivíamos a crise do impeachment do presidente Collor. Voltei à política e dela jamais pude sair, porque, como eu mesmo disse no meu discurso em que assumi a minha cadeira na Academia Brasileira de Letras, a política só tem uma porta, a da entrada.
Um repórter, na minha última viagem a São Luís, perguntou-me se eu ia assumir a Presidência da República na interinidade da presidente Dilma. Eu respondi: “De onde você está tirando isso?” Ele me respondeu: “Ouvi numa rádio”. Aí, eu com bom humor retruquei: “Só se for para cumprir a previsão do Moacyr Neves”.
Chegando a Brasília a presidente, alguns dias depois, me chama para dizer-me do seu desejo de prestar-me essa homenagem. Caí de costas e lembrei-me outra vez do Moacyr e disse para mim mesmo: “Eu vou aceitar para salvar o Moacyr”.
E entrei no Palácio do Planalto de novo e outra surpresa: dar posse ao general Petternelli, que no meu tempo era capitão e agora é general três estrelas, uma das lideranças do Exército e agora o segundo do Ministério de Segurança Institucional. Muitos funcionários antigos ali me cercaram, bateram fotos e com carinho me trataram. Isso é a coisa mais importante da vida. O gosto das amizades e a deferência que o povo brasileiro tem comigo. Meus inimigos fiquem com mais raiva e mais me ataquem. Eu sempre cumprirei o mandamento de Cristo que me encheu de estrelas as minhas mãos: a todos eu perdoo.
No mais, ao sair, os jornalistas me procuraram e eu disse a eles: “Estou feliz, o Brasil é outro do que eu vi no Planalto há 27 anos. Dei a minha parte. Continuo dando”. E brincando, acrescentei: “Deixo esse segundo governo sem nenhuma inflação, sem crises militares e greves, a democracia plena e Dilma no comando, grande mulher e grande governança”.
Do Blog do Gilberto Leda