O antídoto é o veneno que salva, mas que se aplicado em dose exagerada, também mata. Para administrar qualquer remédio extremo é necessário conhecer e avaliar cuidadosamente o quadro geral do paciente, se resistirá aos efeitos colaterais, se ainda funcionam os órgãos vitais. Ter em mente que o objetivo é a recuperação, nunca a morte por overdose.
Vítima de infecção generalizada e com todos os órgãos debilitados, quem está na UTI é o Brasil. É o Estado de Direito. Vou completar 78 anos dos quais 51 foram dedicados à vida pública. Nesta longa caminhada convivi com duas ditaduras: a de Vargas (1937-1945) e o Golpe Militar (1964), idênticas quanto às arbitrariedades. Fui vítima da última, quando me cassaram o mandato de Presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão.
A história nos dá conta de que, até hoje, apenas dois processos de impeachment foram admitidos pela Câmara dos Deputados: o primeiro contra Getúlio Vargas, por suposta conspiração contra os Estados Unidos da América do Norte e o segundo em desfavor de Fernando Collor de Mello, por corrupção. O Presidente Vargas foi absolvido e Collor teve o mandato cassado por falta de base sólida no parlamento. Como senador, votei pelo impedimento do presidente. Poucos meses depois, o Supremo Tribunal Federal inocentou o alagoano, caçador de marajás, que agora é senador e, novamente processado, poderá vir a ser um dos juízes de Dilma caso o plenário da Câmara opine pela procedência do processo. Trata-se de um quadro dantesco beirando o irracional.
A complexidade do contexto exige, de todos, a máxima cautela e sabedoria política. Já não existe harmonia entre os poderes constituídos. O que deveria ser independência transformou-se em antagonismo. O Presidente do Senado, indiciado em quatro processos, disputa poderes com o Presidente da Câmara, figura abjeta de chantagista, cujos delitos e crimes ilustram uma longa folha corrida. A Presidente da República, desmoralizada, vai desde um processo eleitoral, que poderá cassá-la juntamente com o vice Michel Temer até às pedaladas do TCU. Ridicularizada virou piada de mau gosto aqui e alhures. O que dizer do Congresso com mais de cento e quarenta deputados e quatorze senadores indiciados por fraudes e corrupção? Terão eles hombridade para depor um Presidente e definir novos rumos para a República?
De pé ainda estão os poderes de polícia (Federal) e da Justiça Federal, ambos resistindo à contaminação pelo “mar de lama” em que se transformou a política brasileira. Reconhecemos ser quase impossível ficar alheio a tanta falta de escrúpulo, mas por representar o último esteio, os Ministros do Supremo Tribunal Federal não podem emitir opiniões e conceitos. Compete-lhes julgar com total isenção para que não pairem dúvidas quanto à legitimidade de suas sentenças.
Embora possa parecer, não sou defensor de Dilma ou contra o impeachment. Asseguro-lhe que, ao contrário, defendo a aplicação da Lei em sua plenitude. Sou contra o casuísmo e repudio todo tipo de usurpação. Por que não alijar primeiro o impostor da Câmara para, só então, instaurar um processo merecedor de credibilidade O impeachment, tal como o antídoto, poderá ser a solução. Remédio democrático e constitucional carece, entretanto, de cuidados especiais para não se tornar veneno institucional. Acatado de maneira intempestiva, depois de utilizado como elemento de barganha, o processo transformou-se em revanchismo de inescrupulosos.
O momento é de suma gravidade, exige a isenção de paixões e interesses pessoais, conclama à unidade nacional. É chegada a hora em que todos aqueles que compraram votos para fugir ao compromisso com o povo e a pátria devem reconhecer o erro e resgatar a dignidade perdida. A falência moral é da classe política e não da forma de Governo.
A ninguém é dado o direito de se alhear aos fatos. Participe com a sua força dentro da LEI, sem ela é golpe contra a Democracia e para isso não há solução.
*Dr. Magno Bacelar é advogado e exerceu os cargos de deputado estadual, deputado federal, senador da república, vice-prefeito de São Luís e prefeito de Coelho Neto.