Para Sarney, o governante que dá “soco na mesa costuma quebrar a mão”

Num final de tarde recente, na contagem regressiva para o fim de seu mandato, o agora ex-presidente Michel Temer fez uma reflexão sobre as asperezas do exercício da Presidência da República. “Ser presidente é honroso, mas não é fácil”, desabafou. “Getulio suicidou-se. Tentaram dar golpe no Juscelino para impedi-lo de tomar posse. O Juscelino, do jeito dele, perdoava todo mundo. Interiorizou o Brasil e fez um belíssimo governo, mas saiu como ladrão e corrupto. Foi preso e exilado. Depois teve uma morte mal explicada. Depois veio o Jânio, que renunciou, triste sina. Depois Jango, que foi deposto. Depois, vieram os militares. Quando o Costa e Silva se afastou, não deixaram o vice, Pedro Aleixo, assumir.”

Ao falar do período pós-regime militar e de redemocratização do país, Temer lembrou que a “triste sina” voltou com a morte de Tancredo Neves, que nem tomou posse na Presidência. “Sarney, embora tenha ajudado a reconstruir o país junto a Ulysses Guimarães, saiu desprezado, com Collor dizendo na frente do Palácio da Alvorada que ele era corrupto. Collor foi impichado. Depois do Collor, Itamar foi bem por causa do Plano Real. Fernando Henrique assumiu o poder e um tempo atrás me contou que, quando saiu, tinha 144 ações por improbidade. Já liquidou cento e poucas e tem umas 40 ainda em andamento. Depois veio o Lula, que está preso. Dilma foi também impichada, e depois vem eu”, completou , com uma risada. “E veja o que eu estou sofrendo.” Era uma alusão às denúncias de corrupção de que foi alvo em seus dois anos e sete meses na Presidência — três foram protocoladas pela Procuradoria-Geral da República.

O ex-presidente José Sarney, primeiro líder do período democrático, não foi um presidente propriamente forte. Depois de assumir o cargo com a morte de Tancredo Neves, que negociara com os militares a transição para a democracia, Sarney, egresso do PDS, partido de sustentação do regime militar, passou boa parte de seu mandato tentando legitimar-se no cargo e tendo de fazer concessões ao então PMDB de Ulysses Guimarães, que carregava a legitimidade da oposição à ditadura.

Por causa dessa experiência, Sarney costuma dizer que o presidente deve ser conciliador e radicalmente tolerante com seus opositores. O governante que dá “soco na mesa costuma quebrar a mão”, afirmou o ex-presidente. Ele também recomendou ao presidente usar os dois ouvidos, como diz o Padre Antônio Vieira: um para ouvir quem está presente e outro quem está ausente. Sarney aconselhou, além disso, evitar dois clichês, o de que o presidente “não pode voltar atrás” e o da “solidão do poder”. As decisões, disse ele, não podem ser solitárias, e, na verdade, acabam não sendo.

Época.

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