Coluna do Sarney: A raiz da crise

A Constituição de 1988 está completando 30 anos. Todos sabem que dela fui um crítico firme durante sua elaboração e depois.

Agora estamos atravessando a maior crise que o País já viveu no âmbito político e econômico. Eu atribuo o que está passando o Brasil à Constituição de 88 e isso eu disse com todas as letras, pagando caro quando, iniciado o segundo turno de votação do projeto, afirmei, em pronunciamento por rede de rádio e televisão, dirigindo-me aos constituintes: “O país vai ficar ingovernável” — e ficou. Foi um desastre anunciado. Vale recordar minhas palavras daquele tempo:

“Primeiro: há o receio de que alguns dos seus artigos desencorajem a produção, afastem capitais, sejam adversos à iniciativa privada e terminem por induzir ao ócio e à improdutividade.

“Segundo: que outros dispositivos possam transformar o Brasil, um país novo, que precisa de trabalho, em uma máquina emperrada e em retrocesso. E que o povo, em vez de enriquecer, venha a empobrecer; e possa regredir, em vez de progredir.

“Em suma: OS BRASILEIROS RECEIAM QUE A CONSTITUIÇÃO TORNE O PAÍS INGOVERNÁVEL. E isso não pode acontecer.

“O País sabe que nós não dispomos de recursos suficientes para atender a todas as necessidades e finalidades do Estado.

A futura Constituição, aprovados esses dispositivos, agrava o quadro ao determinar uma perda de receita próxima de 20% já em 89. No plano interno, em valores de junho deste ano, os impactos diretos e imediatos sobre o orçamento geral da União ultrapassam dois trilhões e 200 bilhões de cruzados — cerca de 12 bilhões e 600 milhões de dólares. Este número representa o dobro do que sobra à União na arrecadação do IPI e do Imposto de Renda, ou duas vezes os programas federais, estaduais e municipais de saúde. Ou 32 anos de programa de distribuição gratuita de leite. Ou, por fim, o dobro do déficit orçamentário da União este ano.

A situação da seguridade social é igualmente difícil. Muitos dos seus gastos não podem ser avaliados. Mas, a parte calculável permite estimar custos adicionais da Previdência em mais de um trilhão de cruzados por ano (5,6 bilhões de dólares). […]

Eu não estou pensando no meu Governo. Ele será o menos atingido. O que eu estou pensando é no País, no futuro, nas dificuldades dos governos futuros, que não terão condição nenhuma de conduzir esta grande Nação, como nós desejamos que ela seja conduzida.

Como Presidente, eu tenho de visualizar o que é permanente, não o que é transitório.Tenho que enxergar além do meu mandato e tenho que evitar, na trajetória, que se instalem caminhos inviáveis, inconvenientes ao interesse nacional.

“Refiro-me, particularmente, à brutal explosão de gastos públicos decorrentes de benefícios desejáveis, que todos nós desejaríamos atender, mas que infelizmente não temos como atender. Como pagar contas astronômicas sem asfixiar os contribuintes, sem inviabilizar nosso crescimento, sem suprimir empregos, sem conviver com uma superinflação? […]

“O Brasil corre também o risco de tornar-se ingovernável nas empresas, nas relações de trabalho, nas famílias e na sociedade. […]

O Estado não cria recursos. Ele apenas os administra. Mas se sufocarmos os trabalhadores e a classe média, e se impedirmos as empresas de ter lucros, quem sobrará para pagar impostos? A classe média, vítima de impostos confiscatórios dos salários, pouco poderá comprar além dos suprimentos das necessidades básicas. […]

“O Brasil precisa, mais do que nunca, de recursos para ajudar os que nada têm. Os que não têm nem emprego. Os que não têm aposentadoria.”

Quando leio estas linhas do meu pronunciamento, que é longo, acredito que fui, infelizmente, profético.

A Constituição, sob o ponto de vista econômico, paralisou o país. É hibrida, parlamentarista e presidencialista. Provocou uma desordem entre os poderes, que hoje estão se estraçalhando, destruiu os partidos e os políticos.

Implantou um populismo anárquico, um niilismo que nos levou à corrupção que invadiu todos os setores do País.

A única coisa que se salva é o capítulo sobre direitos individuais e sociais, redigido pelo grande Afonso Arinos.

Hoje vivemos o caos, do qual ninguém vê a saída.

José Sarney

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *